O Passageiro Misterioso
Capítulo 1 – Uma Corrida Tarde da Noite
Trabalhar como motorista à noite nunca me incomodou. A cidade parece outra quando escurece, mais calma, mas também mais… estranha. Eu estava acostumado a pegar passageiros incomuns — bêbados, casais discutindo, gente com pressa para lugar nenhum. Era a rotina.
Naquela noite, recebi uma solicitação perto de um parque abandonado, um lugar que muitos evitavam. Era tarde, o movimento estava fraco, então aceitei. Ao chegar, vi uma figura parada sob a luz fraca de um poste. Ele estava ali, imóvel, como se fosse parte da paisagem.
Quando o homem entrou no carro, tudo parecia normal à primeira vista. Era magro, vestindo roupas simples e gastas. Mas algo nele me incomodava. Talvez fosse o silêncio, ou o fato de que ele olhava fixamente para frente, sem nem mesmo me cumprimentar.
— Para onde vamos? — perguntei, tentando quebrar o gelo.
— Bairro Industrial — respondeu, sem olhar para mim. Sua voz era baixa e seca, quase um sussurro.
Coloquei o endereço no GPS e seguimos. A princípio, pensei que ele fosse apenas mais um cliente excêntrico. Mas o desconforto começou a crescer. A cada minuto, parecia que o ar no carro ficava mais pesado.
No silêncio da viagem, comecei a notar detalhes que me deixaram inquieto. Suas mãos estavam sujas, como se ele tivesse mexido em algo molhado e lamacento. O cheiro no carro mudou, ficando estranho, como terra molhada depois da chuva.
Eu tentava não encarar o retrovisor, mas não conseguia evitar. Algo em seus olhos — ou na falta de expressão neles — parecia fora do comum.
A cada quilômetro, a cidade ficava para trás. Comecei a sentir um leve arrependimento por ter aceitado aquela corrida.
Capítulo 2 – Um Medo Crescente
Enquanto dirigíamos, tentei ignorar o desconforto crescente, mas a atmosfera no carro parecia cada vez mais densa. Olhei pelo retrovisor novamente, esperando ver o homem distraído, talvez mexendo no celular, mas ele permanecia imóvel, encarando o nada.
A estrada ficava mais deserta. As poucas luzes da cidade sumiram, e agora só havia escuridão e o som do motor. Ele quebrou o silêncio de repente:
— Você já esteve aqui antes?
— Não, nunca. É meio isolado, não é? — tentei soar casual, mas minha voz tremia um pouco.
Ele apenas assentiu, um movimento lento e quase mecânico.
De repente, o GPS começou a falhar. A rota desapareceu, a tela ficou preta por alguns segundos, e quando voltou, estava reconfigurada. O destino agora parecia mais distante, como se estivéssemos indo para lugar nenhum.
— Acho que estamos longe do bairro industrial. Tem certeza de que é por aqui? — perguntei, tentando manter a calma.
Ele não respondeu. Apenas ergueu a mão e apontou para frente, como se soubesse exatamente para onde ir.
— Continue.
Foi então que algo realmente estranho aconteceu. Enquanto dirigia, vi uma sombra se movendo pela lateral da estrada, grande e rápida, mas não havia nada por lá. Um vento gelado entrou pelas frestas do carro, apesar de todas as janelas estarem fechadas.
— Está sentindo esse frio? — perguntei.
— O frio não me incomoda — ele disse, com um sorriso fraco que parecia… errado.
O cheiro no carro mudou de novo, ficando mais forte, como algo apodrecendo. Olhei pelo retrovisor mais uma vez, e o que vi me fez quase perder o controle do volante.
Ele não estava lá.
O banco de trás parecia vazio por um segundo, mas quando pisquei, ele estava de volta, exatamente na mesma posição.
— Tudo bem, motorista? — ele perguntou, sua voz ainda baixa, mas carregada de um tom que parecia zombar de mim.
Meu coração disparou, mas forcei um sorriso e continuei dirigindo. Tinha certeza de que algo estava terrivelmente errado, mas precisava terminar aquela corrida. Ou pelo menos encontrar um lugar seguro para parar.
Capítulo 3 – O Confronto Final
Eu sabia que algo estava errado. Tudo em mim gritava para sair daquele carro, mas estávamos no meio do nada. Se parasse, o que aconteceria?
O silêncio do passageiro parecia se transformar em uma presença física, sufocante. Minhas mãos suavam no volante, mas mantive o olhar fixo na estrada, tentando não olhar mais pelo retrovisor.
De repente, ele falou:
— Você sabe o que acontece com quem se perde, não sabe?
Tentei responder, mas minha voz falhou. Ele riu baixo, um som que ecoou no silêncio como um aviso.
Foi quando o rádio ligou sozinho. Uma estática forte preencheu o carro antes de dar lugar a uma voz grave e distorcida, sussurrando algo que não consegui entender. Olhei para o painel, mas não havia como desligar.
— Por que está nervoso? — ele perguntou, sua voz agora fria como o vento lá fora.
Não consegui mais me segurar. Pisei no freio bruscamente e parei o carro.
— Chega! — gritei, virando-me para ele. — Quem é você? O que está acontecendo?
Ele me encarou por um longo momento, como se estivesse decidindo se deveria ou não responder. Então, finalmente, sorriu.
— Eu sou um lembrete.
— Lembrete de quê?
— De que nem todo mundo que entra na sua vida sai dela.
As luzes do carro começaram a piscar. Olhei para fora, mas o que vi me congelou. A estrada tinha desaparecido. Estávamos cercados por uma escuridão tão densa que parecia sólida.
— Você me trouxe até aqui. Agora é sua vez de escolher — ele disse, inclinando-se para frente, tão próximo que pude sentir o frio irradiando dele.
— Escolher o quê?
— Voltar sozinho… ou ficar.
Meu coração parecia que ia sair pela boca. De alguma forma, entendi que ele não era uma pessoa comum. Não era humano. Algo nele era antigo, errado, como um peso que a própria realidade não podia suportar.
Sem pensar duas vezes, acelerei. O carro derrapou, mas consegui retomar o controle. Pelo retrovisor, vi que ele estava sorrindo, mas dessa vez, seus olhos brilhavam com algo que me fez olhar para frente e nunca mais desviar.
Quando percebi, estava de volta à estrada principal. O passageiro tinha desaparecido.
Capítulo 4 – O Legado do Medo
Cheguei em casa naquela noite, mas o sono nunca veio. Revivi cada momento daquela viagem, tentando encontrar uma explicação lógica. Mas nada fazia sentido.
Na manhã seguinte, decidi limpar o carro. Foi quando encontrei algo no banco de trás: um pedaço de papel. Estava dobrado e manchado, mas as palavras ainda eram legíveis:
"Nem tudo o que entra na sua vida foi convidado."
Não consigo mais dirigir à noite. Às vezes, ainda olho para o retrovisor, meio esperando vê-lo lá, com aquele sorriso sinistro.
A verdade é que não importa quanto tempo passe. Eu nunca esquecerei.
FIM